sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Exteriorize


Encontre com todos, cate o mundo que te exterioriza
Que nos cerca
Há tanto ao teu redor

Cansa de ti mesmo, faz da tua náusea, cor.
Da angústia e desse vazio que paradoxalmente te completa
Amealha um outro sopro, qual nova luz.

Isso tudo que a ti exterioriza, carreia para dentro de ti
Afinal, nada há mais aí que angústia e vazio.
Nadifica o que não presta,
Ajoelha aí as lágrimas, pedindo perdão a teus dentes
pela ausência do sorriso nos últimos tempos.


E tudo está aí, é só servir-se.
Há para todos.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

escolha feita


Forço a vista, busco enxergar o que virá. A velhice do futuro confunde-se à velhice de meus pais. E tudo são escolhas, para tudo há conseqüências. Ficar e ver a morte ou sair e ser informado?


Vou-me longe, muito distante. Mas quero saber tudo, não deixem-me ignorante. O fardo vai comigo, sempre. Não importa o caminho que trilhe, mesmo que fique, o peso lá estará.


Sou filho e isto não muda nunca. Não há distância que desfaça meu sangue, oceano que separe minha aparência. Sou familiar a poucos. Sorrio muito pouco, e quando o faço, é a eles apenas. Sangue do meu sangue ou companheira escolhida. Apenas eles me conhecem.


O oceano que se dane. Eles estão comigo em qualquer lugar. Apenas deixem-me informado, por favor.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

um ponto qualquer


de algum ponto de uma vida qualquer
sossego palavras alinhadas
alinhavo pensamentos
descosturo a existência

em um dia
o trailer do que resta
editado pelas fantasias
o suspense por conta das mágoas idas
a troca de cenas comandada pelos semáforos

o que não se registra
esvanece depois da noite de sono

a cada dia outro script
tecido pelo dia qualquer
da minha ou de outro vida

outro, não outra
pois hoje não repito quem fui

aquele de ontem
lá ficou.
no ponto dele qualquer,
munido hoje de vida alguma.

domingo, 2 de agosto de 2009

Segue


enquanto desperdiço alguns minutos esperando um sinal
o tempo segura-se às cinzas
e uma vida inteira é pouco para o tanto de dias que necessito

temo o futuro
temo a mudança no mirar
o olhar furtivo para o relógio
temo tanto, temo tudo, tenho tudo
aos pés

uma linha eterna até onde deixo de enxergar
até a morte, até o fim.
esse eu temo menos

meu medo está em ti diversa
em ti velha
em nós depois
por favor, não olhe no relógio quando eu levantar-me da mesa
mas não faça isso por pedido meu

mesmo depois
quero que envelheças ao redor do teu olhar
prometo deixar o relógio em um canto qualquer
e achar que vale à pena não ser títere
pois há tanto por vir, começo agora.



quarta-feira, 15 de julho de 2009

desenhando


regurgitei sorrisos
esgravatei as fotos
esparramei lembranças nas mesas sem pés das calçadas

agora que eu e a cidade somos um só
reivindico esquinas, placas e semáforos

na falsa esperança de regular
o trânsito instransitável de minhas memórias

sou cidade de tantos
urbano concreto de muitos

sem mapa
descartografado fui pelo tempo
e pelos viajantes das minhas ruas


segunda-feira, 29 de junho de 2009

desço pela descendência


descendo indecentemente dos macacos
descendo infinitamente até o asco,
faço a lida humana

descendo de outros homens
descendo rebaixo-me aos homens

descender...
descer...

nessa minha porção macaco
esqueceram a graça
caiu ao descer da árvore

como hominídeo eu era melhor

porque não descender dos pássaros
para não descer nunca mais?

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Gaveta Cotidiana


desdobra com cuidado tuas vestes
vincos dos dias que se foram
amarrotada pele
inexoráveis dobras
nelas sobrepostas
caminham as lembranças


dulces recuerdos


esta veste de peles
a disponho em cabide de pensamentos
ali a preservo das rugas
que as gavetas de cada dia
insistem em deixar.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

paleta do eu



contrariando previsões
hoje sou feliz

descobri na tela outras pinceladas
nas nuanças descoloridas do cotidiano
misturei humores, lembranças e pó
obtive outras cores
peito em paleta, juntei as tintas

e hoje sou feliz
pintando a obra da vida

resguardo a abstração de sorrir
esquadro, parte a parte
dia a dia
pedaços de tudo
detalhes das gentes

e nada mais fez-se lágrima
essa matiz usei inteira
na tela que findei ontem.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Obra Póstuma


conto o passar dos anos
no aumentar da estante
nos volumes de livros a vida vai-se indo
lenta e paginada

entre capas, capítulos e introduções
sofro meu posfácio

ao contemplar a estante escorada uma à outra
umas às outras...

e assim por diante
os volumes as extravasando
páginas e mais páginas de mim
corridas por olhos que sequer vi

acumulo volumes enquanto passo a existência
a chorar notas de rodapé que não me explicam
a dobrar orelhas para marcar
o importante de mim

lá se vai nova dobra
marcado fico
paginado
dia a dia

conto os dias que me faltam
na última estante vazia
que livro será o último?
o que lerei antes de abandonar esta veste de peles?
este corpo de tantos livros
e tão pouca humanidade

o livro, o último,
leio sem marcador
e sempre esqueço onde parei.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Encéfalo Caos


a cabeça fervilha...
imagens, vozes, sons... tudo é tudo.
tudo a mesma coisa
em meio à perturbação meus pensamentos se mantêm

enlevo tentar captar o mistério de estar aqui
de te ver chegar
de me carregar só no olhar

em meio ao meu caos
és única,
és desejo,
és um medo.

tenho o coração calmo...
mas a cabeça fervilha.

meu peito gaveta de ti,
desses sorrisos, desses cheiros
meu peito,
gaveta de ti.

pero...
a vida é caos, é confusão
por isso abro a gaveta
e pego partes tuas
para saborear ao longo do dia.

terça-feira, 12 de maio de 2009

dentição


palco, figuras dançam e encantam
olhos alheios, diferem dos meus
encantam-se, encantam aos outros
não, não são os meus.

meus olhos impassíveis
assistem ao desfilar
fiambres humanos
tristes cristãos
sorridentes diabos na pobreza interna e só deles

sorriem um dente só
é a esperança
que lhes resguarda,
insiste em mastigar o tempo...

mastigar... com um só dente?
melhor seriam 24.
24 as horas do dia
uma para cada mordida.

e lá se vai a esperança, tarda e falha!

sábado, 9 de maio de 2009

quietness


hoje a paz governa
não, não há discussões
a paz hoje reina absoluta

apenas eu quebro o silêncio e registro
aqui, palavra a palavra
letra por letra
o indizível da paz em união

insisto, mesmo em tempos de paz
em legar a outros
o que não se registra

a paz de dois corações unidos, amigos
celebrando o silêncio
que seus tantos gritos ansiavam

hoje, paz.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

monologando


fazer arte, criar
a partir de quê?
de quem?

há como criar sendo gente?
o que busco eu em tanto questionar
que não a mim mesmo
que não minhas próprias palavras
que não isso tudo que já possuo?

criar frases onde ficar confortável
nas quais possa descansar a cabeça
um travesseiro de versos
um colchão de rimas
outro jeito de formar leito

crio tudo, assim,
esculpindo a talhos rápidos de pensamento
minha escultura imaginária
a imagem de mim

criticam-me por assim encarar
mas quê fazer
se apenas meu pensamento tenho
apenas meus olhos
minhas lembranças
dores e alegrias de um só

não amigos,
longe de egoísmos
apenas eu estou aqui
não há quem consultar
não há verbos outros
apenas uma voz
monólogo

minha vida sempre foi assim
e sei que tristes sois vós
por também pensardes apenas com idéias vossas
e sofrer com um coração que é só de vós

tristes, tristes somos nós.

quinta-feira, 30 de abril de 2009

para rir um criado


De que tanto riem esses homens?
O que há de jocoso aqui?
Meus caros, rindo-se assim
De seus próprios estapafúrdios
Assemelham-se a mulas
Apesar destas ainda serem de boa serventia

De que tanto riem esses homens tolos?
Acumulam às custas de todos
Lodo em seus bolsos
A quem souber olhar direito mesmo com desgosto

As mentes são infantis
Exibindo a última mais ousada estripulia
Brincadeira de criança
Ao mundo dá os rumos

Rico ri à toa diz o populacho
Eu retruco
Rico ri de bobo, é o que eu acho.

terça-feira, 28 de abril de 2009

estranhas paragens


arre!
vem mais um dia por aí
mais um para aproximar o fim
ainda os tenho muitos
para quê?
não possuo resposta, sou mosca morta nesse mundo
não me reconheço aqui
sou de outro lugar
sou de outro existir
não sou daqui
estrangeiros de mim e de ti
somos de outras paragens
nascemos errados
há mundo pra nós?

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Orador


pior que existir e questionar a isto
é tentar explicar aos outros
deixem-nos descobrirem
deixem-nos esmiuçarem
se nada tens a temeis...
afinal, porque a censura?

são apenas homens
homens como vocês....
deixem-nos investigarem...
não há o que perder se vosso dogma é realmente eterno
não temais se vossa verdade é única.

apenas temais se a duvides....
base da verdade,
a dúvida nossa.

amém.

sábado, 18 de abril de 2009

old age


reparei um detalhe em meu detalhismo
é que minimizo, reparto, diminuo, corto
assim, nas miudezas faço minha parte
por ali, nas rugas das senhoras
nos pêlos brancos que os senhores apresentam
detenho meu ponto, um equilíbrio

é que diminuo, fraciono, despedaço
desse jeito limito a vida
atendo-me aos pequenos furos das peles das gentes
anos a fio carreando-os
puros e pequenos orifícios longilíneos e inúteis

é que hoje prendi-me aos detalhes, à futilidade, à muita idade
assim, vendo a beleza do tempo no anverso da estética
desperdiço meu parco momento nessa lida
ansiando pelas próprias marcas
temendo encontrar um estranho ser
que nelas um dia repare

aos vincos que virão
um abraço dos que aqui já estão!

quinta-feira, 9 de abril de 2009

minimal


rasguei a beleza das gentes
belas são as pessoas
mulheres e homens
etiquetados
todos são tão perfeitos que sinto vergonha em ser assim
minto, purgo, sofro.

e os outros?
não sei... são todos tão perfeitos...

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Não sendo somos


somos nós e não somos
figuramos a história que pelo mundo foi
guardou olhares, segurou nossas mãos
somos nós e não somos

como é possível?
reconhecer um sorriso em seu olhar
confundindo com tudo
somos nós e não somos

mas há prova
há teste
há como saber
e será hoje...

olha-me, mira-me...
escavarei a verdade no verde desse olhar
mesmo que sejamos nós e não...

meus olhos
enxadas pesadas em vossas pálpebras
insistenstes buscarão
mesmo que sejamos nós
ou não.

sábado, 28 de março de 2009

deita a morte


deita a morte perante este acorde
uma só nota
uma só estrofe
uma vida a menos.

deita a morte perante esse cheiro
uma só flor
uma só rosa
um buquê a menos.

deita a morte perante a vontade
uma só verdade
uma só idade
um homem a menos.

deita a morte perante os amigos
uma só vida
uma só realidade
verdade ao menos.

acordes, cheiros. vontades e amigos...
que mais desejo eu?
ser cercado de seus acordes
rodeado pelos cheiros
dão-me à vontade
a cumplicidade dos amigos.

assim, deito eu a morte
tranqüilo, durmo ao lado da senhora eterna

eu terno.

quinta-feira, 26 de março de 2009

apenas isso


sim, agora sou eu.
não, eu não sou sóbrio.
eu não sou nada na verdade
e isso não é menosprezo.

é que sou nada... é que sou gente apenas
e apenas isso não te responde nada
não explica coisa alguma
e sou apenas isso.

meu corte é profundo,
minhas peles sobrepostas são apenas peles
escondendo o que sou mesmo
nada

muito de outros,
e tão pouco de mim.
sim, esse sou eu...
contente-se.

terça-feira, 24 de março de 2009

Títere




queria eu um Caeiro em minha vida
um duvidar da filosofia simplesmente por ela não fazer sentido algum
um admirar as plantas só porque elas existem
e são assim, belas.

queria... ah como eu queria um Caeiro...
ser simples assim e contentar-me com isso
torcer o nariz às metáforas, às meias palavras, à consciência

queria eu a concretude e embevecer-me diante disso
maravilhar-me com tudo
apenas porque tudo é tudo e nada mais

abstrair... para quê mestre Caeiro?

segunda-feira, 23 de março de 2009

Abstract Life


suei muitas palavras até aqui
escorreram pela pele da alma
ao chão... todas ao chão
palavras, palavras, apenas palavras

e a vida?
a vida vai passando...
gentes morrendo, gentes sorrindo
e eu aqui, palavras, somente palavras

guia a corda a algum lugar que ainda não vi
mas que está lá
a me esperar
a nos ver chegar...

o melhor lugar do mundo
em nós mesmos.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Gracias!


escreve sobre a tua infância diz mestre Rilke
não! mostra a simplicidade de tudo, da árvore, das coisas, do que te cerca
conserta Caeiro

meu caro Campos pede uma resposta...
uma proposta do que vem a ser essa vida
até cansar-se... até envelhecer-se e retornar ao cansaço
velhaco Campos!

Vinícius quer mostrar-me a beleza de todas as pequenas
a graça infinita feminina
a melhor palavra para ver dor e sorriso

Florbela insiste em fazer-me chorar...
Em lembrar da dor que é estar aqui
A consumir-nos

E Blake...
quer tirar-me de tudo, do mundo
mais cheio de bestas que qualquer de seus escritos

Neruda? Meu caro Pablito...
quero eu viver um terço de ti
morreria feliz...

que faço eu com vocês todos?
que faço eu com os que ainda desconheço?
mestres, meus mestres...

aluno sigo assim, tentando aprender com todos vocês.

terça-feira, 17 de março de 2009

darkness


no escuro
boca é boca
guardiã da língua
mãe do começo do flerte em palavras
pai do despir
saliva corpos alheios
rancorosa boca
guarda a língua para si o dia inteiro.
relega aos olhos o banho triste e educado do choro
feliz boca refestela-se em banho de saliva
vulgar e sorrindo, vingada.

sábado, 14 de março de 2009

Denso Abstrato


Sim sou eu
Humano e medíocre
Sou eu

Entrincheirado e sem armas
Partindo os outros, partindo a mim
Saindo de si
Sou eu

Solitário em meio a um mundo de gentes
Sorrindo aos outros,
Finjo ser um deles
Mas sou eu
Apenas eu

Protótipo de qualquer coisa
Projeto de qualquer um
Quem se importa além de mim comigo?
Ninguém, ninguém.

E quem se importa contigo?
Alguém?
Não amigo, ninguém.

Fingimos todos

Amém.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Todos Juntos


Dedilho a vida, toco a noite
Vou ao céu, sobrevôo a terra
Distingo aqui de cima as ruas de vocês
As casas de vocês
As mulheres e homens das gentes

Um pouco mais alto...
Tudo é luz
Agora são pontos e linhas
Quadradinhos de vaga-lumes constantes
E essas são as cidades de vocês
Lá vocês moram, amam e choram

Um ponto escuro, um quadrado
Lá estão os mortos de vocês
A lhes esperar

Aqui, bem do alto
Fico com vocês e eles, a lhes velar.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Polis


No dia 8 de março de 2009, Dia Internacional da Mulher, um marido qualquer assassinou sua companheira com três tiros à queima-roupa - as ameaças já vinham sendo feitas há mais de um mês.
DEUS NÃO EXISTE.



Mataram a Mariazinha
E foi no seu dia...
Mataram a Maria sei lá das quantas

Hoje, justo hoje
Dia era de homenageá-la, coroá-la, engrandecê-la

Recebeu no seu dia três rosas quentes
Metálicas

Despetaladas as flores da Mariazinha
Sobraram-lhe os espinhos da vida
E amanhã, quem lembrará da Maria?

Aquela,
A uma que morreu no seu dia
De quem era Maria?

Além dela mesma

Choremos seu dia
Adeus,
vai...
à Deus, Maria!

domingo, 8 de março de 2009

Definição


É que oscilo
É porque sou feliz e triste
Decidido e indeciso
Sei tudo que não sei

Por isso sou difícil
Portanto não há o que entender
Porque vou de um lado ao outro
Parando em cada ponto
E talvez ainda voltando antes mesmo de ir
Sem mesmo saber se triste ou a sorrir

É porque sou tudo isso
Que sou eu.

sábado, 7 de março de 2009

Cresço


ao balanço da amizade contorno minhas mãos de criança
empurro-o com força
e ele faz ali a que veio
balançar

sorrio satisfeito um sorriso infantil

desconheço então
o mundo que espera

súbito cessará o balançar

lá, no futuro
o adulto sarcasmo
vê o sorriso da criança não chegar.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Desmonte




Conto os cílios
Vil e pobre

Aos poucos vou saindo
Distanciando, deixando, indo-me

Agora assim, desfaço-me da carne
Fio a fio
Ossos e vísceras abandono

Eu apenas
Eu pequeno, imperceptível

Detive detalhes sem importância
Apeguei-me demais a tudo que toquei

Não, não era eu

Assim, amiúde vivi
Agora, desfeito físico
Saio ventando por aí.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Me despedindo esperava


a existência é nossa
a curva não fomos nós que desenhamos

o desvio da rota, a fuga

o barco afasta-se do porto
no vão, entre barco e porto, perdemo-nos

o último aceno de um desconhecido foi para ambos
destarte
não somos mais continente ou bóia
à deriva estamos

somos das correntes marítimas,
a elas
e somente a elas pertencemos

por entre os vagalhões do alto mar poderemos estar para sempre

mas não!

nego-me a perder a vontade, a deixar-me levar inerte
tomo conta de mares e correntes
e assim, sem barco ou porto
levarei a ambos, eu e tu
em direção a nós mesmos
adentraremos um ao outro
e, nesse território que é só nosso
conseguiremos ser sinceros
reconheceremos

que eu te esperava
a cada aceno que dava.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

simplicidade


a simplicidade que busco nessas linhas
não supera o olhar da criança
este,
despido de esperança
condena os que dela são munidos

ah queria eu, nas palavras mais simples
buscar encontrar a completude de mim
preencher um vazio que ainda não há
torcer as linhas, esquecer-me dos pontos
atira-me às encostas de versos
aos quais precipitei a vida
simples morte de mim

um vocabulário parco
meia dúzia de rimas constantes
de pé, um último levante
perdi-me na lágrima infante

ah queria eu, das palavras simples
tirar-me daqui
e ter a certeza de despir-me dessa malfadada esperança
insistindo em procurar nos versos
tudo que deste em olhar.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Quebrando a Seqüência


Não há mais pressa
Não há inércia
O que se foi
E o que há de ser
Confundem-se com o que é
Desde então não acumulo mais nada
Além da minha própria existência
Sem tempo,
Deixar de ser apenas
criança/jovem/adulto/velho e morte
Agora existo
Agora sou
bastou renunciar à contagem
Esquecer-se da ampulheta
Quebrei-lhe a cápsula
Agora sou só areia
E vento,
e vento.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Buquê Urbano


Nasceu flor no asfalto
Buquê em quebra-molas
Surgiu aqui em sobressalto
Pétalas de lata em argolas

Nasceu lágrima em lenço
Antes do choro
Antevejo o descenso
Olhos gritando água em coro

Desterrei o buquê das tuas mãos
Adiantei as lágrimas desse olhar
Esse asfalto de distância chão
Pranto veio antes nos castrar

Seguirei o rastro das pétalas enfim
Mesmo assim desterradas da origem
Do buquê de nossos suores assim
Fotografei antes, sigo-te em imagem até o fim.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Nesses Olhos


Há algo nesses olhos
Quase nada
Um ponto
Pequeno

Que tudo diz
Que tem a força de mil palavras em um segundo
Há algo nesses olhos

Quando batem à minha porta
O olhar desses dois
Inda não sei se imploro ou comemoro
Inda não sei o que há de ser depois

O que virá
É do amanhã
A ele interessará
E só a ele

A mim importa é o que há nesses olhos hoje.
Quero é saber se ajoelho minhas lágrimas
Ou dobro e penduro o paletó nas tuas pálpebras.

Há algo nesses olhos
Eu inda hei de saber o que é

E talvez nesse dia

Chore.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Saudoso não havido


Uma saudade indizível me consome
Uma vontade do que não houve
Um dia guardei esse sonho
Etéreo foi-se e em realidade não coube

Ficou saudade de um par solitário
Par sem dois
Ah, saudoso estava do dia de ontem
Imensa e profunda vontade do depois

Depois que não houve
Que em realidade não coube

Conheço-te tanto ao ponto de desconhecer-te
Tens as mesmas mãos
O mesmo olhar
Mas o que houve conosco nesses tempos todos?

Enamorei-me menino
Saudades daquele
Que, sonhando
Beijava-te sem cessar.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Um dia


No dia em que explicarem
Da lógica da vida
Das voltas que damos
Dos destinos que cruzamos

No dia em que contemplarem
O pingo cheiroso da chuva
O barulho raivoso do mar
A areia correndo-me as canelas

Em tal dia que explicará minha contemplação
A lógica da vida terá cheiro de mar
As voltas que damos resvalarão às canelas
E os destinos antes cruzados se unirão
Inefáveis

Como o cheiro da chuva
Que não existe
Mas todos sabem qual é.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Quero ser árvore


Se sou apenas eu, que faço eu do mundo? Ele aí está, sustentando meus pés e sorrisos, forçando-me a acatar seus erros prontos. Que faço eu do mundo? Ele está em mim, mais que eu nele. Maior, abarca a mim e ao resto, às coisas e aos outros. E se eles também pensassem assim como eu, que fariam de mim? Se acaso se perguntassem o que fazer do mundo, do nosso mundo. Mas, o mundo é dos homens? Apenas por saberem de sua própria existência? Justamente o que faz dos homens homens, e não coisas, é o questionamento de si. Por que quando julgo o outro estou julgando a mim mesmo, quando o condeno, condeno o homem e sua forma de ser no mundo. Afinal, o que é essa indizível ânsia de isto compreender? Há o que compreender? Por que não apenas curtir a existência sem questioná-la, por que também não posso eu ser coisa? Coisa. Coisa assim, sem noção de que existe um nada, um vazio, uma angústia. O mundo hoje coisifica a todos, nós mesmos imploramos por isto. Coisificação.
É duro conviver com certos problemas humanos. Fácil é ser pedra e chorar obviedades fúteis, compradas. Entramos no esquema desde que nos garantam esse afastamento, esse distanciar-se da condição humana que nos acompanha. Lemos a cada dia menos, consumimos a cada instante mais. Coisifiquemo-nos pois! Apenas assim é possível existir nesse mundo de hoje. Somos todos um só ser sofrendo do mesmo mal? Muitas vezes penso que sim, à semelhança de quem une as mãos para formar um círculo, unimos as forças pelo “progresso”. De quem? Para onde? Para quê? Para quem? A quê me vem tanto questionar? Apenas seria tão simples moldar minha engrenagem e girar para outras... E quem garante que essa caçamba de questionamentos não é o meu giro na engrenagem existencial que somos todos?

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Insistência


Às chacoalhadas da vida, um brinde!
Ao desassossego, ao desterramento
Ao não encontrar nada em nós mesmos
Brindemos!

Oportuno visitar de outras existências
Todas em si mesmo a rir
Andar assim, à esmo, brindando a inquietação em saliências
Conforta a noite por dormir

Essa mente não se aquieta
Insiste em forçar desistência,
Em catar outra meta

Abro mão dessa felicidade comprada
Fingida
Ensaiada
Dessa aula de catequese mal dada
Foi esta sim
Mau pensada
Cabulei presença,
Calada

A fórmula é outra,
Quero ex-insistência
Isso, uma existência que fica
Só por renitência
Ex-insistência
Os pensamentos expandem até os deixe ir sua paciência
Dane-se essa moral inventada

Outros livros
Outros seres
Outros amores
Novos sabores
Outros humanos licores

Quero abraçar o mundo e seu erro
Depois,
Um brinde ao meu desterro!

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Escambo Reféns


não deixe o sorriso ir
segura-o entre os dentes
distraia-o com a língua
entretém esse fugitivo
é nosso último refém
o deixemos escapar
e haveremos de nos entregar
à prisão da solidão
à condenação perpétua
seqüestramos tantos nesse amor prometido
os trocando fomos
sorrisos nossos,
reféns
um a um
os cambiamos pelos momentos alegres
e tantos foram
agora resta-nos apenas este
iníquo sorriso
o maior de todos

segura-o entre os dentes
preso o derradeiro
entre a mandíbula tua e o mais belo par de olhos

quem sorri por último
sorri menos só.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Caminho


Tortuoso
caminho incerto
profano
casto
mentiroso

Incesto certo
Curva retilínea
Oblonga
Meu caminho

Destino: o princípio
De tudo
De mim
Do fim.

sábado, 24 de janeiro de 2009

Há tempo, sempre.


Jocosa existência!
Em manhã da mais pura cadência
Brinca comigo
Surpresa em tamanha decência!

Passo a passo
Pernas conjuntas
Olhares de regaço
Ambos, vencidos pelo cansaço

Eram quatro
Fizeram-se duas
E juntas rasgaram o amanhecer
Cerraram o sol pelas ruas

Os sorrisos embevecidos
Acumularam anos e meses
Outrora juvenis e vencidos
Pelo tempo eram ensaiados mil vezes

Mas, quem diria!
De tanto ensaio
De tanto erro
Em tanta escrita e pouca guia

A carta não ida
Era a missiva de amor recebida

Não havia lá o que ler
Era cedo
Preciso antes
Era crescer

Na porta fechada
Duas leves batidas
Lembra?
A carta não respondida?
Guardei-a
Comigo ficou toda vida

Foi de medo...
Mas também... era tão cedo!

Restou uma sombra
Guardada na retina
E ela ali, ainda tão menina

Corou, chorou e doeu
Daquelas palavras tantas
Correu a pequenina
Correu

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Relogioso Homem


São três
Antes eram duas

Madrugada!
Nenhuma de vocês

Eram horas minhas caras
Não senhoras

E rápidas, muito rápidas

Mulheres de 60 gemidos
A cada urro 60 suspiros

Minuto, delírio
Segundo, respiro

Horas mulheres
24 delas

Perfiladas, nuas no círculo do cronômetro circadiano
Aguardando ansiosas

Os três falos
Máquinas relogiosas

Um maior e fino, sorrateiro segundeiro
Outro menos esguio
Quase tão ligeiro quanto o primeiro
O último...
Ah! O falo terceiro
Este cumpre todo o ritual
Fazendo uma hora de puro carnaval!

Humanos levam nos pulsos vítreos
A orgia dos tempos!

Espiando-na os resquícios
Em perdido momento

Tic-Tacs de 60 suspiros seguindo o vento
A badalada é o final
Velho relógio de corda
Deu o sinal!

Começou para a próxima hora
Novo carnaval!

Anunciou em orda
Quantas mulheres já passaram
Ao pecado original

60 gemidos
Gozo afinal!

Veja que em caso conta te deres:
São tuas todas
As 24 horas
As 24 mulheres.

domingo, 18 de janeiro de 2009

Tempos Ruins - Fragmento


Estes são tempos ruins. Não, não foi erro ortográfico. Escrevi esTes mesmo. Afinal, todos sabemos em que tempos nos encontramos, não? Pensei em preencher o tempo escrevendo um romance existencialista, pleno de meus questionamentos acerca de tudo que nos cerca nessa vida tragicômica. Pestanejei por alguns instantes e minha grande idéia em forma de prosa romancista desapareceu assim como veio. Ainda assim, eis-me aqui dedilhando algumas linhas. A retórica poética cansou de mim, arrisco-me em um ensaio, versos ruins não vão bem com um final de domingo em que a promessa de chuva não se cumpriu. Pensar a respeito da própria vida e da relação desta com outras próprias vidas não é lá um ofício muito nobre, principalmente para um iniciante nessa arte. Afinal, o que sabemos aos 27 anos? Praticamente nada. Ou serei exceção? Creio que não.
De qualquer forma, gosto de arriscar, aqui vou eu – típica frase de quem está prestes a enrascar-se.
Como buscar o significado da própria existência? Excluam-se aqui os seguintes óbvios, a saber: religião, filhos, analistas, ou outra forma pseudo-auto-explicativa qualquer que se apresente. A vida por ela mesma, em seu banal cotidiano entre o dia e a noite, entre o passado e o futuro (parodiando Hannah Arendt), enfim, no inefável presente. O agora, mesmo aos mais planejados e provavelmente bem-sucedidos financeiramente, é tão pleno de vetores ocasionais que qualquer predição é anedotária. Apesar de estarmos inseridos em determinado local, cultura (e hoje é tudo tão semelhante) e espaço, ainda somos donos dos nossos narizes. Ou não? Caso neste momento eu decida interromper a escrita, descer os andares de meu prédio que me separam do solo e correr até a avenida mais próxima cantando La Traviatta nada me impedirá. Nada? Quais seriam as conseqüências disto – além do indizível desprazer de meus vizinhos? O que me impede de cometer semelhante ato é o que virá em seguida, as conseqüências de minha cantoria. Como explicar que um pós-graduando da melhor universidade da América Latina decidiu correr e cantar rua afora, em pleno uso de suas faculdades mentais? Ora, o que virá depois me impede. O futuro, o ainda não ocorrido pré-determina o que farei nas próximas horas. Mas o nariz não era meu? Ou era nosso?
A pré-determinação da cultura ocidental, ou melhor, de qualquer cultura, atribui signos e significados tanto para os objetos como para as ações humanas. Em um relato antropológico, um cientista conta que o feiticeiro de determinada tribo havia deslocado-se através de um trovão, fato plenamente aceitável para aquela sociedade. O real acontecimento físico que provocou o desaparecimento anterior do feiticeiro por três dias (tentar reintegrar-se à sua antiga tribo mais poderosa que a atual) não importa em tal contexto. Viajar de trovão lá é decididamente possível. Tribos selvagens são peculiares não? Para nós ocidentais, viajar de trovão é um tanto difícil. Agora, buscar a explicação de por que estamos no mundo, fechados entre quatro paredes através da catarse para um estranho é certamente muito aceitável – digno aliás de um cérebro racional e privilegiado. Afinal, quem não faz análise nestes dias? Estabelecemos os signos ocidentais e os espalhamos pelo mundo propagandeando sua efetividade e sua lógica perfeitamente explicável, como 2 e 2 são quatro. Pero somos pessoas. Em nosso caso 2 e 2 podem ser 3, 5, 7 ou nada, depende da existência, imaginação ou acaso de cada um.
Meu digníssimo perdão aos senhores teóricos postulares do Sr. Freud e seus seguidores, ou ainda de tantos outros pesquisadores de nossa existência que o seguiram ao longo do século XX. Se, de alguma forma, há conforto nas quatro privilegiadas paredes dos consultórios de análise, certamente é porque este já encontrava-se dentro do analisando. Aqui é necessário pagar para descobrir isto, ok.
Menciono os socialmente legitimados, cobertos pelas teorias científicas. Há outros charlatães por aí com menor classe e um tanto indelicados, encobertos entre terços e águas bentas. Mas deixemos tais argumentos de lado, ainda estou esperando a chuva que foi prometida para hoje e, até provem o contrário, ela ainda cai do céu.
Creio que as idéias deste ensaio estejam um tanto confusas, qualquer semelhança às nossas vidas não é mera coincidência, portanto, simplifiquemos. Ao conseguirmos atribuir significados concretos às nossas ações, ao possibilitarmos o direcionamento de nossa existência para um plano místico ou o reverso da moeda, racionalista, conseguimos seguir com nossas vidas. Mesmo que sejamos uma molécula de migalha no espaço sideral que possui ego, mesmo sem conseguir entender a transcendência de nossas moléculas organizadas em um sistema vivo que desorganiza-se depois de morto. Morto? Nossas moléculas não desaparecem, dividem-se apenas. E desorganizam-se aos nossos olhos, é claro. Determinamos a existência à capacidade única e humana de pensar e, de alguma forma, expressar tais pensamentos. Um quadro, um poema, um soco, um sorriso – todas ações humanas e produzidas através do pensamento. As mesmas moléculas que organizam-se hoje e formam os lábios de seu sorriso em alguns anos (ou antes disso) serão varridas do chão na forma de poeira. Impossível conviver com isso, com essa única e irredutível verdade. Por isso a driblamos mística ou racionalmente.
É preciso aproveitar cada momento, seu tempo está acabando. E o que é afinal, aproveitar o momento? Buscamos indefinidamente a resposta de por que estamos aqui inclusive gastando boa parte do precioso e esgotável tempo nisso. Inclusive há os escrevem atrás de tal resposta. Não nos foquemos nestes. A existência, como afirmei anteriormente, é plena de vetores ocasionais, mas, paradoxalmente, nossas ações frente a tais acontecimentos são pré-ditas pela cultura na qual estamos inseridos. Sejamos índios caigangue ou executivos vestindo Armani, há pré-determinações das quais não partejamos a construção ou seu estabelecimento – aliás, quem fez isto? Tais construções são a soma de tantas existências e acasos que torna-se humanamente impossível determinar seu estabelecimento inicial. É possível organizar fatos em ordem cronológica para facilitar nosso parco entendimento acerca de determinado assunto, mas é impossível determinar a construção exata dos comportamentos socialmente aceitáveis. Justamente por serem um soma de existências, e não 2 + 2. E, nesta soma de existências que predirão o que farão nossos descendentes, nos encontramos. A questão é se desejamos que eles possam cantar La Traviatta em altos brados ou se acreditamos que o analista está certo. Nesse caso, poderemos acrescentar sessões intra-uterinas nos acompanhamentos de pré-natal – já existe algo semelhante.
Obviamente cantar La Traviatta sem medo é um objetivo despropositado, exemplifiquemos com algo mais importante – não desfazendo a importância de minha canção.
O mundo divide-se entre a esfera pública e a privada. A esfera privada permite comportamentos que certamente seriam censurados na pública. Nos deteremos então, na mais complexa, na qual partilhamos pré-momentos – a pública. Nela possuímos a segurança social das pré-determinações, que asseguram como serão as próximas horas distantes da segurança privativa do lar – necessária em nossa sociedade. É possível na vivência pública estar inserido condizentemente com o contexto social e proporcionar mudanças na soma de existências da pré-dição a qual afirmamos anteriormente? Certamente.
Conforme andamos a vida na esfera pública, através de pequenos radicalismos, micro-influências, pequenas rupturas, obteremos ressonância nas próximas existências que nos seguirão. É possível de maneira mais escancarada observar tais rupturas nos movimentos artísticos ao longo da história universal. Desde as pinturas rupestres à Gioconda de Da Vinci, suas ressonâncias são como gritos às existências posteriores. Felizmente poucos possuímos a capacidade de gritar de tal forma, seria difícil comunicar-se em meio a tanto barulho. Aos que não gritam, a própria existência cotidiana é faca, com duas navalhas naturalmente. É possível exercitar a existência sem percebê-la criticamente, através principalmente hoje da busca incessante pelo consumo, ou, criar as suas rupturas individuais. Infelizmente o resultado da soma de tais rupturas serão vivenciadas pelos filhos de nossos filhos, enquanto nossas moléculas estarão sendo varridas da calçada. As mesmas moléculas que juntas e organizadas em forma de boca já esboçaram um sorriso.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Eu gosto é de ser humano.


Meus sentidos são temporais. Estão intempestivamente ligados ao que vivi hoje em memória, à hora se é dia ou noite, a mim se me encontro feliz ou triste. Como pensar assim? Como querer perceber a que serve a razão se possuo sentidos encravados no dia de hoje? As linhas que registro aqui amanhã transpassarão meus olhos adquirindo outro sentido, assim daqui a um ano, uma década. Impossível explicar a existência perante o tempo. Os signos mudarão, as matrizes que me encontro hoje transformar-se-ão em outras interpretações a respeito do que pensei hoje largando linhas neste espaço-tempo definido. Os óculos que lerão estas linhas igualmente serão outros que sequer imagino. Portanto, o que escrevo hoje, mesmo datado, é transversal ao tempo e aos signos. Esforço a concentração, contaminada pelo último livro que li, pelo último autor que, assim como eu, igualmente sentou-se e registrou-se em determinado momento. Este não existe mais, o reinventei ao tocar meus olhos em suas linhas. Admirável existir humano, não canso de me embevecer diante dessa maravilha que somos.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Reconheço


eu me rendo
deponho ao chão as armas
esqueço a altivez
de cá não pronuncio uma palavra mais
um gesto,
nada.

reconheço em meio aos meus destroços
tua razão infinita
e meu despreparo para a vida.

proscrevi esse momento
o máximo que podia
persegui fantasmas
enamorei-me pelo próprio ideário
meu catálogo infindo de plenas alegrias
amei-os. beijei-os.
e era eu mesmo o tempo todo.

agora, deposto e de mãos vazias
rogo algo que não sei o que é
não é perdão
não é paixão
acho que rogo a vida.

é isso, rogo vida de novo!
uma existência,
por clemência.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

é da vida desculpar-se


Sim, é parte fazer-se mal entender
em elogios querer
rasgar alegrias ao passado
e não fazer-se entender

é da vida a confusão das palavras

intenção possuir
pouca boca pra tanto anseio
faltou ouvido
sobrou desdeio

amor eu tive um
e foi único
e foi linda
foi-se comigo à tiracolo
ao meio

hoje, metade de mim aqui escreve
e, como não sou inteiro
sussurro meias palavras
sorrateiro

ah! queria eu fazer-me entender
declarar um amor ligeiro
com minha meia boca que restou
gritar ao mundo inteiro

amor, que única foste!
que fomos um só!
que hoje sou lembrança...
que hoje ando só!
que fui criança!
agora em metade, ao meio
em lembranças completo meu recheio
meia boca, meias palavras
calo-me, perdi o esteio.
desculpe, nossa receita foi-se embora
estava no bolso direito do paletó
o meio eu que agora escreve
é canhoto só
restei esquerdo agora
o bolso direito foi sem alarde
meu outro eu, minha meia história
a receita é tua vontade
em devolver a minha metade.
mesmo aqui
envolto em meias verdades
lembro-me bem
o sorriso inteiro, a felicidade
é a junção de nossas metades.


é da vida




Sentado em frente ao banal da vida
Reconheço
Já fui feliz
Sorri muito nessa lida

Acordei e tudo estava programado
Provisão financeira
Um cachorro e alguém amado

Fui monotonamente feliz
Absurdamente contente
Isso não é vida

Sou insatisfeito
Nasci já com sonho desfeito
Ser feliz
É peso demais a este pobre peito

Fui feliz, mas foi monótono.