segunda-feira, 29 de junho de 2009

desço pela descendência


descendo indecentemente dos macacos
descendo infinitamente até o asco,
faço a lida humana

descendo de outros homens
descendo rebaixo-me aos homens

descender...
descer...

nessa minha porção macaco
esqueceram a graça
caiu ao descer da árvore

como hominídeo eu era melhor

porque não descender dos pássaros
para não descer nunca mais?

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Gaveta Cotidiana


desdobra com cuidado tuas vestes
vincos dos dias que se foram
amarrotada pele
inexoráveis dobras
nelas sobrepostas
caminham as lembranças


dulces recuerdos


esta veste de peles
a disponho em cabide de pensamentos
ali a preservo das rugas
que as gavetas de cada dia
insistem em deixar.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

paleta do eu



contrariando previsões
hoje sou feliz

descobri na tela outras pinceladas
nas nuanças descoloridas do cotidiano
misturei humores, lembranças e pó
obtive outras cores
peito em paleta, juntei as tintas

e hoje sou feliz
pintando a obra da vida

resguardo a abstração de sorrir
esquadro, parte a parte
dia a dia
pedaços de tudo
detalhes das gentes

e nada mais fez-se lágrima
essa matiz usei inteira
na tela que findei ontem.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Obra Póstuma


conto o passar dos anos
no aumentar da estante
nos volumes de livros a vida vai-se indo
lenta e paginada

entre capas, capítulos e introduções
sofro meu posfácio

ao contemplar a estante escorada uma à outra
umas às outras...

e assim por diante
os volumes as extravasando
páginas e mais páginas de mim
corridas por olhos que sequer vi

acumulo volumes enquanto passo a existência
a chorar notas de rodapé que não me explicam
a dobrar orelhas para marcar
o importante de mim

lá se vai nova dobra
marcado fico
paginado
dia a dia

conto os dias que me faltam
na última estante vazia
que livro será o último?
o que lerei antes de abandonar esta veste de peles?
este corpo de tantos livros
e tão pouca humanidade

o livro, o último,
leio sem marcador
e sempre esqueço onde parei.