sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Colheita


Com minha foice de palavras
Ceifarei os teus olhos de beleza
Cortarei a lembrança que perturba
Versos em linha
Exércitos prontos para a batalha final
Estratégias postas
Nesse campo de batalha
Os sobreviventes brigarão pelos pedaços de corpos
Que a foice de palavras cindiu

Brigarão ávidos por mais lábios
Por outros braços
Pelos olhos
Por todos os pedaços

A foice de versos é poderosa
Espedaçou a todos impiedosa
Pedaços nossos e de outros
Campo de batalha
Jaz aqui o corpo alheio
Que ontem foi meu

Logo ali jaz outro
Que longe daqui foi teu

Somos pedaços
Que essa noite de letras separou

Sem meio
Sem fim
Soltos pedaços de ti e de mim
Inutilmente procuraremos
Insistindo procurar
E com braços, olhos e lábios de outros
Nos contentaremos
A errar.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Rascunho Sinfônico


sozinho risquei palavras
sozinho sofri poucos traços
de mim
poucos dedilhares de sons
poucas notas de amor solto
preencho aberto a partitura da relação inexistente
componho a melodia em pensamento
sonhando em um dia
ser tocada
pela orquestra de nossos corpos.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008


Vitrifiquem o último amor
Conservem-no assim
Pois é ele
É o último em meio a essa falta de cor

Alojem em algum lugar
Não contem a ninguém
Podem um dia fazê-lo terminar
E ruir no preciosismo do altar

Alojem, vitrifiquem, conservem
Mas por maior que seja o desejo
Não peguem

Intocado assim ele se faz amor
O último a ainda verter alguma cor

Resguardem o último amor
Dele mesmo.

sábado, 25 de outubro de 2008

Setting


Um pequeno
Um maior
Um aceno
Dois a dois fica pior

Três seguindo
Uma pra dois
Três dormindo
Sozinhos depois

A vida é assim
Libido guardada
Civilização enfim!
Freudiana cagada.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Resumindo


Em apenas um dia: uma morte. um beijo. um não. vários olhares. alguns abraços. perfumes em minhas roupas. sorrisos. dois telefonemas. um encontro. alguns eu-te-amo ditos, outros recebidos. duas refeições. uns cinco ou seis cigarros. três fotos. dois banhos. um livro. cafuné em uma desconhecida.

E amanhã?

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Diário


(...) mais um dia do ano, menos um dia da vida. Acordo, os olhos ainda embaçados da noite mal dormida. Alguns instantes até perceber que nada mudou. É o mesmo quarto, o mesmo cheiro, o mesmo eu e igual solidão. Assim como ontem. Repetição da ausência, tão intensa que cheira à presença cotidiana. O cara me encara no espelho e com o olhar pergunta, assim como ontem, “que fazes aqui”. Novamente ignoro, viro as costas e penso que amanhã ele estará novamente ali, com a mesma questão nos olhos.

sábado, 18 de outubro de 2008

Releitura da Boca IV - o gozo


língua pra fora no sol é molecagem
língua pra fora no escuro
é sacanagem.
vingança da boca: sorriso
chorar no escuro é futilidade
coisa dupla, lugar-comum aos olhos
o escuro tem dono: é da boca
desfez-se a luz
sorriso.
desterritorializados
cegos
os olhos choram sua dependência luminosa
é o que lhes resta
boca deliciosamente vingada
no breu
ejacula saliva.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Releitura da Boca III


Mesma boca
secreta antítese de si
guarda outro ser.
Língua inquilina
língua falada
língua tocada.
Anseia a ausência de palavras
Corta a produção
Interrompe na esteira
Os fardos prontos de linguagem
quando outra inquilina defronta.
Secretadas em boca
Ambas de saliva banhadas
Deslizam uma sobre a outra
saliva sugada, trocada, misturada
de duas, uma terceira.
uma soma
desliza e suga
para ambas
facilita a fuga.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Releitura da Boca II


Privilégio dos olhos
é lavar-se em lágrimas.
Escassas, delicadas, educadas.
Pingos precisos, contidos mesmo em banho convulso
Lavagem tosca de boca
Banho de saliva
Vulgar, abundante, grosseiro.
Deslizante
Abre passagem
comida, bebida, pele e sacanagem
Boca
Abre o eu pra tudo.
Boca pro mundo
De saliva inundo.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Releitura da Boca I


Pouca boca me chama
Mesma carne diz que ama
Usa-a a comigo
Tua boca
À noite chupa
De dia ora
Mordendo beijos
Engolindo choros
Sepulcro meu de outrora.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Tempo I


Renunciei ao tempo
Agora a suntuosidade das igrejas
não pertence ao passado
É absurdo presente
Desde já não há mais idade para isto
ou aquilo
Hoje decreto que Todas as idades são para tudo
Já não há mais tempo certo
Para mais nada
Renunciei ao tempo
Agora posso estudar quanto quiser
Ser criança decana
Ou velho de fraldas
Nada mais é ridículo, adequado
O tempo se foi
Renunciei a ele
Desde então
Não há o momento certo para nada
Época para casar
Época para ter filhos
Época para isto
Época para aquilo
De agora ao pó
É época de existir
E só.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Inexisti


amanhã parto
vou-me regresso à casa
casa?
não pertenço a lugar algum
velho jargão
não há melhor
desterritorializei minha existência

agora é etérea
existe apenas em mim
enquanto estou
se estou, existo
se vou
deixei de existir

portanto, amanhã
quando me vou
inexistirei
não há o que buscar
em lugar que nunca ocupei.

sábado, 4 de outubro de 2008

Prêt à Porter


costura de pontos que não unem
costura fazendas que em nada combinam
minha estampa ao teu corte
chacina à moda de amar

meu jeito é esse
fora do estilo
fora do encontrado
inesperado
maltratado
enviesado
sincero

em nosso desfile
misturamos o corte das relações anteriores
às novas estampas de sorrisos inéditos
assim cosemos
nossas vestes de amor.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Casarei


Alegria em possuir esperança
Pode ser a tristeza futura que se alcança
Herança de que dor, de que antiga dança
Donde saiu toda essa esperança?

A resposta se ausentou
A aguardar que o olhar encontrasse
Que ao meu se chocasse
Seria inevitável, seria a queda em si

Fugidia esperança
Tristeza de nada ocorrer
“Quem espera sempre alcança”
Como, se nem me concedes esse amor, essa dança?

Então caso
Caso com ela, a eterna
Alianço a esperança e não arrisco
Sem olhar, sem dançar

Sozinho, vejo-te ao meio
Assim eu também metade
Meios sem fazer um de nós inteiro

Melhor assim
Esperança da dança
É felicidade certa em mim
É certeza de criança

Em minha fértil imaginação
Nunca me dizes não.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Choque de Suspiros


Juntaram-se os sorrisos que desconheciam-se
Nesta noite quente
Em ventos de palavras encontramo-nos
E sorrimos

Meu verbo combinou com teu substantivo
Ventos de palavras
eu “procurar” e tu “amor”

construímos hoje querida
chegamos à frase
falta-nos o sujeito
falta-nos confessarmo-nos
somos sujeitos um do outro
ocultos meu amor, ocultos.