domingo, 28 de dezembro de 2008

Levo Flores


escrevo até que os comprimidos façam seu trabalho
me desliguem
dormindo não dói
não te vejo passante
abandonando a vida que tivemos
o princípio de nada
o beijo contrariado
socialmente proibido
desejado tanto quanto indefeso
sem retirada de ninguém
sem sentido assim como estarmos juntos
hoje te sepulto
não te vejo morta
levo flores como em um primeiro encontro
esperançoso atrás daquele sorriso teu
tolice
cadáveres não se movem.

domingo, 21 de dezembro de 2008

Moça


Portei céus em meus bolsos
Estrelas escondidas no chapéu
Constelações inteiras
A lua mal coube na algibeira
O sol?
Este ficou a mirar-me,
Afinal, levava comigo a noite inteira
Céu no bolso, estrelas no chapéu e lua na algibeira
Sol espreitou-me em novo dia seu
Fitou-me da soleira
Amanheceu

Insisto em carregar a noite comigo, assim, feito moça
Braços dados, faceira

Um encanto.


Solteira.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Sina da profissão


Amanhece outro dia
Desvanece outro riso

Desfalece a moça em meus braços

Desfaleceu, morreu

Agora porto cadáver
Anatomista que sou
Os coleciono

Mais um na estante
Belo adorno.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Mãos de Lenço


Com mãos de lenço
Sigo aparando lágrimas
Insistem em cair
Esqueço e não penso
As causei ao sair

Olhos azuis, castanhos e negros
Sempre o mesmo fundo
Vermelho

Mãos de lenço inundo
Do mesmo apelo
Coro insistente
Consente, descontente

vermelho, vagabundo, imundo.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Enigmático


Enxergue minha fome
A veja como tudo que esse olhar enseja
Qualquer coisa sem nome

Só de pirraça
Apenas por graça
Desfaço cada nó,
A mão nem disfarça

Vê quem é essa fome
Quem sem graça come
Quem faz rir e some

Veja em mim
Essa desmedida, faminta e sem juízo
Em mim
Desgarrada ânsia esfíngica
A repetir...
Devoro-te, devoro-te

O nó que desfiz
Era a possibilidade de resolução do enigma.

Agora devoro-te.

sábado, 22 de novembro de 2008


Que cigarro escolher? Mentolado ou normal? Sair hoje de preto ou vermelho? Almoçar ou fazer um lanche? Ir de ônibus ou caminhando? Assistir a que filme se estão passando tantos? Que comida servir-me no buffet? Sorrir ou chorar da miséria alheia? Dentre tantas escolhas, ainda queres que eu decida se quero ou não casar-me? Tenha dó.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Exclusividade

Misturo os nomes todos, confundo as histórias. Em meio a beijos e memórias curto mais uma noite em lembranças. Um telefonema choroso pedindo-me que volte, uma carta rasgada e ainda assim enviada mandando-me ao inferno, um olhar, um beijo roubado, outro imaginado. Coleciono todo o tipo de objeto, meu museu. Nunca abro as portas à visitação. Apenas eu o freqüento. A entrada? Sempre um ticket de insônia.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Discenso


não havia sentido-me tão só
ainda não
hoje se possível fosse
mesmo eu me abandonaria
sairia de mim
deixar-me-ia falando sozinho

cisão à realidade
impossibilidade física
discordo de mim e pago caro por isso
hoje, é o acerto

essa sensação...
como ainda não a havia provado?
essa fome de alguém que não existe
esse estar sem se fazer presente

acertei cá comigo
nos ajustamos
não me abandonei por detalhe
sigo junto, porém
sem reconciliação
investindo nessa relação de aparências.

sábado, 8 de novembro de 2008


Parei junto ao leito do rio
A água que por aqui passa é única

Somos também
Únicos

Nem teu olhar
Nem essa água
Repetirão o último instante que passou

Como o rio
Teus e meus olhos mudam a cada segundo
A cada momento

Como dizer que amo a ti
Se, como as águas do rio
Insistes em correr sem paradeiro?

Resta deitar-me ao leito
Leito de rio
Deito
Outro amor se foi
Mais um sonho desfeito

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Linda Jóia


A pérola que te entreguei
Foi feita colar junto à outras
As enflileiraram
As furaram para passar corrente
Agora são todas iguais

Mas aquela
Que confundes entre outras
Era minha
Era única

Aquela pérola
Única que tinha
Agora ostentas nesse pescoço
Juntadas na corrente desse olhar
Enfileiradas sem pesar
Agora são iguais
Formam um só objeto

Teu colar de lindas pérolas
São sorrisos e olhares colecionados
De corações por ti destroçados

Linda jóia
Enforque-se com ela bela dama
Por favor.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Colheita


Com minha foice de palavras
Ceifarei os teus olhos de beleza
Cortarei a lembrança que perturba
Versos em linha
Exércitos prontos para a batalha final
Estratégias postas
Nesse campo de batalha
Os sobreviventes brigarão pelos pedaços de corpos
Que a foice de palavras cindiu

Brigarão ávidos por mais lábios
Por outros braços
Pelos olhos
Por todos os pedaços

A foice de versos é poderosa
Espedaçou a todos impiedosa
Pedaços nossos e de outros
Campo de batalha
Jaz aqui o corpo alheio
Que ontem foi meu

Logo ali jaz outro
Que longe daqui foi teu

Somos pedaços
Que essa noite de letras separou

Sem meio
Sem fim
Soltos pedaços de ti e de mim
Inutilmente procuraremos
Insistindo procurar
E com braços, olhos e lábios de outros
Nos contentaremos
A errar.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Rascunho Sinfônico


sozinho risquei palavras
sozinho sofri poucos traços
de mim
poucos dedilhares de sons
poucas notas de amor solto
preencho aberto a partitura da relação inexistente
componho a melodia em pensamento
sonhando em um dia
ser tocada
pela orquestra de nossos corpos.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008


Vitrifiquem o último amor
Conservem-no assim
Pois é ele
É o último em meio a essa falta de cor

Alojem em algum lugar
Não contem a ninguém
Podem um dia fazê-lo terminar
E ruir no preciosismo do altar

Alojem, vitrifiquem, conservem
Mas por maior que seja o desejo
Não peguem

Intocado assim ele se faz amor
O último a ainda verter alguma cor

Resguardem o último amor
Dele mesmo.

sábado, 25 de outubro de 2008

Setting


Um pequeno
Um maior
Um aceno
Dois a dois fica pior

Três seguindo
Uma pra dois
Três dormindo
Sozinhos depois

A vida é assim
Libido guardada
Civilização enfim!
Freudiana cagada.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Resumindo


Em apenas um dia: uma morte. um beijo. um não. vários olhares. alguns abraços. perfumes em minhas roupas. sorrisos. dois telefonemas. um encontro. alguns eu-te-amo ditos, outros recebidos. duas refeições. uns cinco ou seis cigarros. três fotos. dois banhos. um livro. cafuné em uma desconhecida.

E amanhã?

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Diário


(...) mais um dia do ano, menos um dia da vida. Acordo, os olhos ainda embaçados da noite mal dormida. Alguns instantes até perceber que nada mudou. É o mesmo quarto, o mesmo cheiro, o mesmo eu e igual solidão. Assim como ontem. Repetição da ausência, tão intensa que cheira à presença cotidiana. O cara me encara no espelho e com o olhar pergunta, assim como ontem, “que fazes aqui”. Novamente ignoro, viro as costas e penso que amanhã ele estará novamente ali, com a mesma questão nos olhos.

sábado, 18 de outubro de 2008

Releitura da Boca IV - o gozo


língua pra fora no sol é molecagem
língua pra fora no escuro
é sacanagem.
vingança da boca: sorriso
chorar no escuro é futilidade
coisa dupla, lugar-comum aos olhos
o escuro tem dono: é da boca
desfez-se a luz
sorriso.
desterritorializados
cegos
os olhos choram sua dependência luminosa
é o que lhes resta
boca deliciosamente vingada
no breu
ejacula saliva.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Releitura da Boca III


Mesma boca
secreta antítese de si
guarda outro ser.
Língua inquilina
língua falada
língua tocada.
Anseia a ausência de palavras
Corta a produção
Interrompe na esteira
Os fardos prontos de linguagem
quando outra inquilina defronta.
Secretadas em boca
Ambas de saliva banhadas
Deslizam uma sobre a outra
saliva sugada, trocada, misturada
de duas, uma terceira.
uma soma
desliza e suga
para ambas
facilita a fuga.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Releitura da Boca II


Privilégio dos olhos
é lavar-se em lágrimas.
Escassas, delicadas, educadas.
Pingos precisos, contidos mesmo em banho convulso
Lavagem tosca de boca
Banho de saliva
Vulgar, abundante, grosseiro.
Deslizante
Abre passagem
comida, bebida, pele e sacanagem
Boca
Abre o eu pra tudo.
Boca pro mundo
De saliva inundo.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Releitura da Boca I


Pouca boca me chama
Mesma carne diz que ama
Usa-a a comigo
Tua boca
À noite chupa
De dia ora
Mordendo beijos
Engolindo choros
Sepulcro meu de outrora.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Tempo I


Renunciei ao tempo
Agora a suntuosidade das igrejas
não pertence ao passado
É absurdo presente
Desde já não há mais idade para isto
ou aquilo
Hoje decreto que Todas as idades são para tudo
Já não há mais tempo certo
Para mais nada
Renunciei ao tempo
Agora posso estudar quanto quiser
Ser criança decana
Ou velho de fraldas
Nada mais é ridículo, adequado
O tempo se foi
Renunciei a ele
Desde então
Não há o momento certo para nada
Época para casar
Época para ter filhos
Época para isto
Época para aquilo
De agora ao pó
É época de existir
E só.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Inexisti


amanhã parto
vou-me regresso à casa
casa?
não pertenço a lugar algum
velho jargão
não há melhor
desterritorializei minha existência

agora é etérea
existe apenas em mim
enquanto estou
se estou, existo
se vou
deixei de existir

portanto, amanhã
quando me vou
inexistirei
não há o que buscar
em lugar que nunca ocupei.

sábado, 4 de outubro de 2008

Prêt à Porter


costura de pontos que não unem
costura fazendas que em nada combinam
minha estampa ao teu corte
chacina à moda de amar

meu jeito é esse
fora do estilo
fora do encontrado
inesperado
maltratado
enviesado
sincero

em nosso desfile
misturamos o corte das relações anteriores
às novas estampas de sorrisos inéditos
assim cosemos
nossas vestes de amor.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Casarei


Alegria em possuir esperança
Pode ser a tristeza futura que se alcança
Herança de que dor, de que antiga dança
Donde saiu toda essa esperança?

A resposta se ausentou
A aguardar que o olhar encontrasse
Que ao meu se chocasse
Seria inevitável, seria a queda em si

Fugidia esperança
Tristeza de nada ocorrer
“Quem espera sempre alcança”
Como, se nem me concedes esse amor, essa dança?

Então caso
Caso com ela, a eterna
Alianço a esperança e não arrisco
Sem olhar, sem dançar

Sozinho, vejo-te ao meio
Assim eu também metade
Meios sem fazer um de nós inteiro

Melhor assim
Esperança da dança
É felicidade certa em mim
É certeza de criança

Em minha fértil imaginação
Nunca me dizes não.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Choque de Suspiros


Juntaram-se os sorrisos que desconheciam-se
Nesta noite quente
Em ventos de palavras encontramo-nos
E sorrimos

Meu verbo combinou com teu substantivo
Ventos de palavras
eu “procurar” e tu “amor”

construímos hoje querida
chegamos à frase
falta-nos o sujeito
falta-nos confessarmo-nos
somos sujeitos um do outro
ocultos meu amor, ocultos.

sábado, 27 de setembro de 2008

Acaso


Atirei as frases
Joguei-as com força aos ouvidos teus
Centrei a mira
Juro pelos meus.

Culpa tenho eu
Se outros ouvidos as juntaram
Que não os teus?

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Como você querida


Você quer me esquecer e eu a você
Você um dia em mim despertou algo e eu a você
Você já muitas vezes disse eu te amo e eu a você
Você tantas vezes sorriu lembrando de mim e eu de você
Você escolheu a mim e eu a você

Você traiu a mim e eu a você
Você hoje se despediu e eu quero você
Poesia e versos baratos
Você merece muito menos.

Como você.


segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Ela em Mim


Buscando me encontrar
A vi em meu lugar
A senti ali como se fosse eu mesmo
A sofrer o meu mirar

Um amor narciso
Nela vi a mim
Em mim vi a ela
Amor surgiu como guia em guiso

Tilintando sempre o mesmo som
Fez de duas almas
De dois corpos
Uma só nota, um só tom.

sábado, 20 de setembro de 2008

Irrompe


Interrupção
Sem oferecer opção
A existência não será a mesma
Nunca mais

Interrupção
Esse teu cheiro
Me invadiu as entranhas
Agora nego as relações estranhas

Interrupção
Sem pedir licença
Minha vida em tuas mãos
Que as horas distantes
Sejam nossas únicas desavenças.

Amor, a minha inconseqüência
É causa dessa tua ausência.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Rima sempre meu amor


Sou um apaixonado
Essa é minha questão
Sou um apaixonado

Fico sem pressa pensando
Em toda a tua passante aurora
Amanhecer entre cabelos e mãos

Em todo o silêncio dos beijos
Na mudez das bocas unidas
Nas mãos em união infindas

Confundo meu sorriso misturado ao teu
Caminhamos juntos
Desfizemos a solidão antes breu

Agora estamos juntos meu amor
Eu, você e nossa união de tudo
Não importa toda nossa saudade

Ela sempre rima
Com nosso encontro em felicidade!

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Escalei a escala


A vida nem sempre é justa
Ela sempre custa
Muito choro e saia justa

Mas o que fazer
Se nessa existência querer
Apenas te ter

É desejo simples minha cara
Uma pequena tara

Surtiu efeito
Apesar do mau jeito

Apaixonei e conheci
O abismo da nota si

Para onde sempre voltas
Pra si

Senta na escala da cama e ri
Passamos as notas todas
Dó,ré,mi,fá,sol,lá.. si.

domingo, 14 de setembro de 2008

Figurar é ser feliz


Figurei minha linguagem
Transformei beijo à amiga
Em traição colorida

Peguei teu tapa na face
E fiz um carinho com outro enlace

Da noite de nudez
Descobri nova boca
Úmida mudez

Figurei nosso amor
Transformei
Agora é pequeno horror

Até a solidão
Transformei em por mim
Imensurável paixão

Doce, doce figuração.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Para Recitar


A pureza do olhar insiste em me seguir. Não há escapatória, arfante viro-me buscando auxílio em mãos e ombros que negam morada. Desterrado sigo assim, sem território de mim, sem chaga que minha seja, sem prata que riso festeja. Sigo, andando e chorando, sentindo o calor do choro resfriar, como um coro a comemorar. Fim de tudo, fim do fim, fim de mim.
Chutei a ordem ao alto, dane-se tudo, vá tudo ao asfalto. Não sigo mais ordens, em nada me auxiliaram. Agora é o caos, quero tudo ao mesmo tempo, quero ser feliz e atirar choro ao vento. Nada em compreensão, arrasto meus pés, lambo as tuas mãos. Aguardo, corro, escorro, volto e vou adiante. Não queira compreender.

O início da compreensão é o fim de mim, é o término, ordene meu caos e acabe

sem mim.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Carta ao Destino


Que dúvida Destino, que dúvida!
Permanecer entre conhecidos muros
Ou passá-los a valer?
Se assim for não mais serei o de agora ser
Este que aqui debruçado agora
Sobre um punhado de tijolos chora

Muros contenção
Muros proteção
Murros sem força
Me escapam das mãos

Que dúvida Destino, que dúvida!
Que farei depois de satisfeito?
Depois de vencido o próximo parapeito?

Seguirei entre outras barreiras
Eternamente passando-as
Freneticamente às carreiras?

Por que, Destino, a cada muro que avanço
A cada abandono em passo manso
Outro mais alto se avizinha
E não resisto ao pulo caro Destino
Entre que muros esta alma se aninha?

Destino, responde presto
Lá, do outro lado
Atenção em ti não presto.

domingo, 7 de setembro de 2008

Doce Amor


Cobertura: doce sem idade
Pequeno encurvar da realidade
Para cada colher de saudade
Junte as lágrimas da nova amizade
Aquele amor antes novidade

Aqueça em banho-maria
Um minuto para cada dia
De tal mistura faça dois copos

Reserve

Pique todas as cartas
Salpique de emoções fartas

Para dar liga
Use saliva

Leve ao forno de cobertas
Mantenha as pernas entreabertas

Retire da cama
Sirva à dama

Rendimento:
meia porção
para duas pessoas

Obs. Cuidar para não desandar

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Por que não?


Um dia me entendi chorando
Cabelos brancos despontando
Denunciaram saber sofrer
Comecei a me ver morrer

Réstia de dores
À escolha de quem fores
Morte, abandono e mentiras
Escolha o que desse rol prefiras

Caso queiras uniremos as réstias
Minhas ardências às tuas bromélias
Perduraremos a secar
Juntas, bromélias e ardências a casar.

Sofreremos coloridos
E em poucos anos idos
Juntos secaremos
Em futuro próximo

Opacos e marrons nos tornaremos

Juntos a branquear os pêlos
Envelheceremos.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Nossos Minutos



Buscando auxílio no pensamento antropológico, principalmente a partir de Heidegger e de seu conceito de fusão de horizontes, é possível avaliar o que significa quando um encontro humano ocorre, sob várias óticas e prismas de análise. Utilizo aqui a expressão encontro humano no sentido de o mesmo ser único, cronológico e situado no espaço, sendo assim impossível de repetição. Encontro este que pode ser de duas ou mais pessoas, não importa, o que importa é sua unicidade na história da existência de todos. Heidegger conceituou o que chamou de fusão de horizontes ao instante em que o olhar cultural de um ser, somado ao olhar de outro, produz um novo olhar, compartilhado por ambos. Fusão de existências.
Contrariando a perspectiva biologicista que considera o homem um punhado de genes e hormônios circulantes em estradas venosas e arteriais, afirmo: possuímos história, escrevemos a cada minuto nossa biografia, perpassamos a mesma pelo encontro com outros e com a fusão de todos em obrigatória convivência social. Obrigatória sim, pois mesmo aos que se isolam voluntariamente desta, apenas a ação de isolar-se já é uma relação com os outros – é preciso de isolar-se de algo, o outro sempre existe. Acreditarmos que a existência é regida por predisposições genéticas, passíveis de controle e manipulação, sugere-nos o homem maquínico, pleno de parafusos e arruelas genéticas. Coloquemos isso à prova da arte e, certamente, refutaremos tais tacanhas disposições científicas. Aqui não nega-se a importância das pesquisas genéticas e do crescente conhecimento na área, o que nega-se é o extremo, é o desconsiderar a existência do humano, de sua unicidade, de sua singular existência e incapacitá-lo em relação à protagonização da própria história. Se eu, poeta, escolho escrever determinados versos, certamente eles não estão previamente inscritos em meus genes, fazem parte sim de minha história e de minha relação com outros entes humanos. Negue-se isto e estaremos negando a própria existência.
Dentro da perspectiva freudiana, o impulso da vida é a energia libidinal. A repressão da mesma e o aprendizado provindo deste exercício nos constitui enquanto seres sociais. Como toda construção humana, a sexualidade é uma construção histórica, social, cultural, biológica e psicológica. De acordo com o ethos de cada momento histórico a sexualidade é exercida e vivenciada de determinada maneira. A constante a ser considerada neste aspecto é a de que o impulso libidinal perpassa toda a existência humana, variando sim seus mecanismos repressores e sua simbolização antropológica. Portanto, a maneira que vivenciamos nossa sexualidade, a forma como a inscrevemos em nossa biografia, é prenhe de outras tantas existências humanas das sociedades que nos precederam e das quais nos inserimos enquanto homens. Acredito que aqui é necessário uma inflexão sobre a própria noção de protagonistas de nossa biografia: se estamos inseridos em determinado tempo, em determinado espaço e convivemos em determinada sociedade, até que ponto realmente protagonizamos nosso cotidiano? Até que ponto realmente escolhemos determinado parceiro para as trocas afetivas? Conseguimos verdadeiramente encontrarmo-nos com o outro, que também encontra-se inserido e submerso neste mesmo espaço, tempo e sociedade? Não há uma simbolização pré-determinada de bem estar, de beleza, uma estereotipização prévia da relação ideal, com a qual alcançaremos a felicidade plena? Permanecem os questionamentos e seguimos com nosso texto protagonista.
Contrariamente ao propagandeado pelo pós-modernismo barato, este que se mostra impensado e que nos cerca dentro do senso comum, não refletindo verdadeiramente sobre si, apenas desvelando novas verdades, penso que nunca possuímos tanto tempo para olharmos para a própria existência quanto hoje. O discurso de que o mundo contemporâneo não permite a inflexão sobre si é, no mínimo, uma negação do próprio momento histórico que vivenciamos enquanto sociedade. Analisemos a jornada de trabalho pós-moderna, drasticamente reduzida em número de horas se comparada às jornadas dos trabalhadores rurais ou industriais do começo do século XX. Agora trabalhamos em casa, enquanto dirigimos através dos telefones móveis, não há mais jornada pré-estabelecida. Os cartões ponto caem em desuso nas profissões pós-modernas. Pensa-se menos em quantidade de horas dispostas ao trabalho e mais em qualidade de realização do mesmo. Apesar da aparente roda viva do dia-a-dia pós-moderno, a angústia em relação à própria existência aparentemente cresce, haja visto o pleno desenvolvimento da farmacologia psíquica e a proliferação dos consultórios psicanalíticos. O que há com a pós-modernidade que nos causa tanto sofrimento? Seria o encontro consigo ao qual estamos submetidos pelo isolamento da imagem de seres sociais ideais, com determinado corpo, roupa, estilo de cabelo ou mesmo de vida? O próprio exercício do erotismo, a que “previedades” o mesmo está submetido pelos padrões pós-modernos de existência? Não proponho aqui um romântico e idealizado retorno ao passado, solução fácil e inócua para encerrar esta breve reflexão. A proposta aqui é a própria volatilidade das questões neste ensaio inseridas, a necessidade de colocá-las enquanto crítica e revisão da praxis diária. Proponho aqui a revisão da necessidade humana do encontro com o outro, com a existência de outros entes humanos, com o sexo alheio e suas contradições (aos nossos estreitos olhos), com a capacidade da abertura aos outros que nos cercam. E este não é um discurso puritanista, moralmente estéril de igualdade entre os seres. Este é o exercício da sexualidade propriamente dita, de nossa energia libidinal, de nosso pulso de vida. Do comum à todos, pós-modernamente reprimido nos comportamentos contemporâneos do ficar à esmo, das relações fugazes, da máscara de felicidade que precisamos assumir perante outros igualmente angustiados e solitários, mas que precisam guardar isso para si, assim como nós mesmos. Afinal, quem sofre hoje em dia, não é mesmo? Os doentes talvez. Pobre perspectiva biomédica de considerar apenas o patológico, o canceroso, o desfuncionante. Ora, ser homem é questionar a própria existência sim, e a manifestação da angústia é parte deste questionamento, mesmo que pós-modernamente neguemos que isso ocorra.
Para os biologicistas, a solução não é Heideggeriana, a fusão de horizontes (aqui adaptada para este ensaio) está já condensada farmacologicamente. Não há porque perdermos tempo com isto. Encontrar o outro só se for para uma ficada. E que seja rápida e não me ligue no outro dia, ok? Já tomou seu Prozac© hoje? Não, mas já liguei para o meu analista.

domingo, 31 de agosto de 2008

Next One


Sou rápido
venho e vou nesta estrada
chego
quando esperas me encontrar
já fui
Não sou menos teu por isso
Ao contrário
Quando vou
Em mim teu maior amor
Quando chego
A maior saudade
Pena, não tive tempo de dizer

Eu te amo

Ainda bem que avisei:
Até a próxima!

Mulher.

sábado, 30 de agosto de 2008

chuva e a janela


agora uma ode ao amor
sem demorar
simplifico
chega de complicar

uma ode à tua nuca
às costas que arrepiei
um verso ao nunca
como teu sempre serei

ode ao quase impossível
à chuva deste amanhecer
justo após outra noite incrível
quase não há como crer

ode à esta pequena
como que por fresta
troçando em festa
pulou dos sonhos do esteta

troçando, sorrindo e serena.
escapaste do meu bico de pena.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

desgaste


creio ter perdido a conta
tudo bem
vejo que nisso não há monta
tudo zen

mulheres e caminhos
confundo sim
corpos e ninhos
confundo assim

beijos, perfumes e mãos
pela fala
nucas, cabelos e jeitos
pelo falo

credo...
quanto desgaste
pelo ralo.

Pois então...


Pois é... Como vocês devem ter notado, há alguns dias não posto nada novo na página. Não é à toa. Além de estar em Porto Alegre para a formatura da minha maninha, pouco antes de viajar atingi um ponto cabalístico (ao menos para mim): postei a centésima poesia. 100! Pois então... Fiquei pensando se as coisas não estavam meio fábrica demais e sensação de menos. Na verdade, pensei, pensei e não cheguei à conclusão alguma (como quase sempre). Pois bem, a verdade é que inauguro então a partir deste momento um outro momento, não apenas pessoal como também, e por que não? - "bloguístico".

A idéia inicial desta página era preservar um pouquinho de minha parca sanidade, escrever algo que não estivesse relacionado ao mestrado - e penso que para isso foi de grande valia! Agora acredito que as postagens serão um pouco irregulares, às vezes em profusão ou em ausência. Conforme as idéias forem surgindo. Sinceramente gostaria de tentar outros estilos, outros temas... Mas ainda preciso melhorar muito nesses quesitos. De qualquer maneira agradeço às leituras alheias, mesmo que não sugiram ou comentem nada, vejo que algumas pessoas regularmente passam por aqui - acho isso ótimo. Podem se comunicar, ainda não mordo. Ainda.



obs. A foto aí acima é um desses breves momentos que a poesia e a fotografia surgem, mesmo sem o uso de palavras. Foi tirada por mim na rodoviária de Ribeirão Preto/SP neste mês de agosto/2008.

domingo, 17 de agosto de 2008

Discurso Insistente


Escalavrei as linhas em busca tua
Corri à rua
Minhas toneladas de solidão
Precisam desse amor em grua
Ergue o peso da ausência

Agrido os ouvidos alheios
Puxo esses versos
Imagino-os como arreios

Em vão tento refrear
Não consigo
Lágrimas insisto
À rodo derramar

sábado, 16 de agosto de 2008

Inteiro


Adoro as meias verdades
Nas tuas meias palavras
Sagacidades
E eu perdido na cidade

Amores inteiros te entreguei
Apesar das tuas metades
Palavras, verdades...
Esqueceste uma coisa inteira comigo
A meia-calça
Algo inteiro além de mim nessa história há
Sem mencionar teu umbigo.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Tua Melhor Parte


Acabemos em riste
Comecemos bem tristes

Contornemos a bancada
Soltemos nossas gargalhadas

Agora em abraço solto
Um amor revolto

Alarguemos em vidas pragas
Cuspamos carinhos às velhas chagas

Do contrário às tuas vivências
Não são de horror as referências

São de puro momento
Soltemos amor às chagas que pedem excremento

Caso não tenhas entendido ainda
É teu melhor pedaço que peço
Uma fatia de boca em carmim moída

Gargalhemos, soltemos, enlacemos
Esfacelemos, briguemos

À tapas um ao outro pilhemos

Qualquer véu de água e sal
Se é pra ser em lágrimas
Que seja esse nosso momento
Que esse seja nosso casamento.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Inocência Infantil


Inocência do menino ao bodoque
Atirou sem querer acertar
E agora?
O passarinho agonizante
Resultado de Pedrada
Mas é pedrada de menino
Não mata

Atirei-te um beijo
Não era pra acertar
E agora?
Mulher arfante
Resultado de beijada
Mas é beijada de poeta
Não ama

Recolho meu bodoque e vou-me embora
Inocente.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Regressão Impossível


Pelo que esperam essas senhoras nas esquinas
O que fazem caminhar essas meninas
O que fazem essas pessoas esperando
Um nada que nunca chegará

Afinal o que vim eu a observar tudo isto
A todos parece isso ser a vida
A mim é espera de sentido desprovida

Por que essa irresistível vontade
Essa ópera registrar
O que fazem caminhar essas meninas
Pelo que esperam essas senhoras nas esquinas

A vida vai e volta
Distribuindo mazelas
Ignóbil à ciência
A nós só resta o ócio
E descobrir como gastar mais para preenchê-lo

Pelo que esperamos todos
A transcendência de existir
Vai-se abraçada na inocência da infância
Deveríamos nascer velhos
E morrer no útero
Felizes.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Vício de Você


Oferece mais disso
Vamos, não exijo compromisso
Dê-me logo isso

A ti quero usar
Sim, quero experimentar
Se em ti viciar

Não há conflito
Mesmo aflito

À abstinência
Enfrentarei com paciência.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Um dia na Relva


Deitei sossegado
No colchão de relva
Pelas folhas em cuidadoso e lento preparado
Ao chão entrego minhas parcas carnes às levas

O anil sobre a cabeça contrasta com o amarelo
Sustentado pelas flores plenas de sementes em prelo

Anil de céu claro
Azul de pudor raro

Hoje estou assim
Esse perfume de dia sem nuvem
Mesclado ao teu cheiro Arlequim
Pintura e fantasia nutrem
Meu devaneio de sono perdido em capim

Dá-me teu sorriso
Leva-me nessa tua alegria
Apaga a lágrima pintada em rosto liso
Arlequim, é só uma fantasia

Meu amor, a lágrima pintada
Quem diria
Esconde à força dada
Nossos vindouros dias de alegria.