sábado, 24 de janeiro de 2009

Há tempo, sempre.


Jocosa existência!
Em manhã da mais pura cadência
Brinca comigo
Surpresa em tamanha decência!

Passo a passo
Pernas conjuntas
Olhares de regaço
Ambos, vencidos pelo cansaço

Eram quatro
Fizeram-se duas
E juntas rasgaram o amanhecer
Cerraram o sol pelas ruas

Os sorrisos embevecidos
Acumularam anos e meses
Outrora juvenis e vencidos
Pelo tempo eram ensaiados mil vezes

Mas, quem diria!
De tanto ensaio
De tanto erro
Em tanta escrita e pouca guia

A carta não ida
Era a missiva de amor recebida

Não havia lá o que ler
Era cedo
Preciso antes
Era crescer

Na porta fechada
Duas leves batidas
Lembra?
A carta não respondida?
Guardei-a
Comigo ficou toda vida

Foi de medo...
Mas também... era tão cedo!

Restou uma sombra
Guardada na retina
E ela ali, ainda tão menina

Corou, chorou e doeu
Daquelas palavras tantas
Correu a pequenina
Correu

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Relogioso Homem


São três
Antes eram duas

Madrugada!
Nenhuma de vocês

Eram horas minhas caras
Não senhoras

E rápidas, muito rápidas

Mulheres de 60 gemidos
A cada urro 60 suspiros

Minuto, delírio
Segundo, respiro

Horas mulheres
24 delas

Perfiladas, nuas no círculo do cronômetro circadiano
Aguardando ansiosas

Os três falos
Máquinas relogiosas

Um maior e fino, sorrateiro segundeiro
Outro menos esguio
Quase tão ligeiro quanto o primeiro
O último...
Ah! O falo terceiro
Este cumpre todo o ritual
Fazendo uma hora de puro carnaval!

Humanos levam nos pulsos vítreos
A orgia dos tempos!

Espiando-na os resquícios
Em perdido momento

Tic-Tacs de 60 suspiros seguindo o vento
A badalada é o final
Velho relógio de corda
Deu o sinal!

Começou para a próxima hora
Novo carnaval!

Anunciou em orda
Quantas mulheres já passaram
Ao pecado original

60 gemidos
Gozo afinal!

Veja que em caso conta te deres:
São tuas todas
As 24 horas
As 24 mulheres.

domingo, 18 de janeiro de 2009

Tempos Ruins - Fragmento


Estes são tempos ruins. Não, não foi erro ortográfico. Escrevi esTes mesmo. Afinal, todos sabemos em que tempos nos encontramos, não? Pensei em preencher o tempo escrevendo um romance existencialista, pleno de meus questionamentos acerca de tudo que nos cerca nessa vida tragicômica. Pestanejei por alguns instantes e minha grande idéia em forma de prosa romancista desapareceu assim como veio. Ainda assim, eis-me aqui dedilhando algumas linhas. A retórica poética cansou de mim, arrisco-me em um ensaio, versos ruins não vão bem com um final de domingo em que a promessa de chuva não se cumpriu. Pensar a respeito da própria vida e da relação desta com outras próprias vidas não é lá um ofício muito nobre, principalmente para um iniciante nessa arte. Afinal, o que sabemos aos 27 anos? Praticamente nada. Ou serei exceção? Creio que não.
De qualquer forma, gosto de arriscar, aqui vou eu – típica frase de quem está prestes a enrascar-se.
Como buscar o significado da própria existência? Excluam-se aqui os seguintes óbvios, a saber: religião, filhos, analistas, ou outra forma pseudo-auto-explicativa qualquer que se apresente. A vida por ela mesma, em seu banal cotidiano entre o dia e a noite, entre o passado e o futuro (parodiando Hannah Arendt), enfim, no inefável presente. O agora, mesmo aos mais planejados e provavelmente bem-sucedidos financeiramente, é tão pleno de vetores ocasionais que qualquer predição é anedotária. Apesar de estarmos inseridos em determinado local, cultura (e hoje é tudo tão semelhante) e espaço, ainda somos donos dos nossos narizes. Ou não? Caso neste momento eu decida interromper a escrita, descer os andares de meu prédio que me separam do solo e correr até a avenida mais próxima cantando La Traviatta nada me impedirá. Nada? Quais seriam as conseqüências disto – além do indizível desprazer de meus vizinhos? O que me impede de cometer semelhante ato é o que virá em seguida, as conseqüências de minha cantoria. Como explicar que um pós-graduando da melhor universidade da América Latina decidiu correr e cantar rua afora, em pleno uso de suas faculdades mentais? Ora, o que virá depois me impede. O futuro, o ainda não ocorrido pré-determina o que farei nas próximas horas. Mas o nariz não era meu? Ou era nosso?
A pré-determinação da cultura ocidental, ou melhor, de qualquer cultura, atribui signos e significados tanto para os objetos como para as ações humanas. Em um relato antropológico, um cientista conta que o feiticeiro de determinada tribo havia deslocado-se através de um trovão, fato plenamente aceitável para aquela sociedade. O real acontecimento físico que provocou o desaparecimento anterior do feiticeiro por três dias (tentar reintegrar-se à sua antiga tribo mais poderosa que a atual) não importa em tal contexto. Viajar de trovão lá é decididamente possível. Tribos selvagens são peculiares não? Para nós ocidentais, viajar de trovão é um tanto difícil. Agora, buscar a explicação de por que estamos no mundo, fechados entre quatro paredes através da catarse para um estranho é certamente muito aceitável – digno aliás de um cérebro racional e privilegiado. Afinal, quem não faz análise nestes dias? Estabelecemos os signos ocidentais e os espalhamos pelo mundo propagandeando sua efetividade e sua lógica perfeitamente explicável, como 2 e 2 são quatro. Pero somos pessoas. Em nosso caso 2 e 2 podem ser 3, 5, 7 ou nada, depende da existência, imaginação ou acaso de cada um.
Meu digníssimo perdão aos senhores teóricos postulares do Sr. Freud e seus seguidores, ou ainda de tantos outros pesquisadores de nossa existência que o seguiram ao longo do século XX. Se, de alguma forma, há conforto nas quatro privilegiadas paredes dos consultórios de análise, certamente é porque este já encontrava-se dentro do analisando. Aqui é necessário pagar para descobrir isto, ok.
Menciono os socialmente legitimados, cobertos pelas teorias científicas. Há outros charlatães por aí com menor classe e um tanto indelicados, encobertos entre terços e águas bentas. Mas deixemos tais argumentos de lado, ainda estou esperando a chuva que foi prometida para hoje e, até provem o contrário, ela ainda cai do céu.
Creio que as idéias deste ensaio estejam um tanto confusas, qualquer semelhança às nossas vidas não é mera coincidência, portanto, simplifiquemos. Ao conseguirmos atribuir significados concretos às nossas ações, ao possibilitarmos o direcionamento de nossa existência para um plano místico ou o reverso da moeda, racionalista, conseguimos seguir com nossas vidas. Mesmo que sejamos uma molécula de migalha no espaço sideral que possui ego, mesmo sem conseguir entender a transcendência de nossas moléculas organizadas em um sistema vivo que desorganiza-se depois de morto. Morto? Nossas moléculas não desaparecem, dividem-se apenas. E desorganizam-se aos nossos olhos, é claro. Determinamos a existência à capacidade única e humana de pensar e, de alguma forma, expressar tais pensamentos. Um quadro, um poema, um soco, um sorriso – todas ações humanas e produzidas através do pensamento. As mesmas moléculas que organizam-se hoje e formam os lábios de seu sorriso em alguns anos (ou antes disso) serão varridas do chão na forma de poeira. Impossível conviver com isso, com essa única e irredutível verdade. Por isso a driblamos mística ou racionalmente.
É preciso aproveitar cada momento, seu tempo está acabando. E o que é afinal, aproveitar o momento? Buscamos indefinidamente a resposta de por que estamos aqui inclusive gastando boa parte do precioso e esgotável tempo nisso. Inclusive há os escrevem atrás de tal resposta. Não nos foquemos nestes. A existência, como afirmei anteriormente, é plena de vetores ocasionais, mas, paradoxalmente, nossas ações frente a tais acontecimentos são pré-ditas pela cultura na qual estamos inseridos. Sejamos índios caigangue ou executivos vestindo Armani, há pré-determinações das quais não partejamos a construção ou seu estabelecimento – aliás, quem fez isto? Tais construções são a soma de tantas existências e acasos que torna-se humanamente impossível determinar seu estabelecimento inicial. É possível organizar fatos em ordem cronológica para facilitar nosso parco entendimento acerca de determinado assunto, mas é impossível determinar a construção exata dos comportamentos socialmente aceitáveis. Justamente por serem um soma de existências, e não 2 + 2. E, nesta soma de existências que predirão o que farão nossos descendentes, nos encontramos. A questão é se desejamos que eles possam cantar La Traviatta em altos brados ou se acreditamos que o analista está certo. Nesse caso, poderemos acrescentar sessões intra-uterinas nos acompanhamentos de pré-natal – já existe algo semelhante.
Obviamente cantar La Traviatta sem medo é um objetivo despropositado, exemplifiquemos com algo mais importante – não desfazendo a importância de minha canção.
O mundo divide-se entre a esfera pública e a privada. A esfera privada permite comportamentos que certamente seriam censurados na pública. Nos deteremos então, na mais complexa, na qual partilhamos pré-momentos – a pública. Nela possuímos a segurança social das pré-determinações, que asseguram como serão as próximas horas distantes da segurança privativa do lar – necessária em nossa sociedade. É possível na vivência pública estar inserido condizentemente com o contexto social e proporcionar mudanças na soma de existências da pré-dição a qual afirmamos anteriormente? Certamente.
Conforme andamos a vida na esfera pública, através de pequenos radicalismos, micro-influências, pequenas rupturas, obteremos ressonância nas próximas existências que nos seguirão. É possível de maneira mais escancarada observar tais rupturas nos movimentos artísticos ao longo da história universal. Desde as pinturas rupestres à Gioconda de Da Vinci, suas ressonâncias são como gritos às existências posteriores. Felizmente poucos possuímos a capacidade de gritar de tal forma, seria difícil comunicar-se em meio a tanto barulho. Aos que não gritam, a própria existência cotidiana é faca, com duas navalhas naturalmente. É possível exercitar a existência sem percebê-la criticamente, através principalmente hoje da busca incessante pelo consumo, ou, criar as suas rupturas individuais. Infelizmente o resultado da soma de tais rupturas serão vivenciadas pelos filhos de nossos filhos, enquanto nossas moléculas estarão sendo varridas da calçada. As mesmas moléculas que juntas e organizadas em forma de boca já esboçaram um sorriso.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Eu gosto é de ser humano.


Meus sentidos são temporais. Estão intempestivamente ligados ao que vivi hoje em memória, à hora se é dia ou noite, a mim se me encontro feliz ou triste. Como pensar assim? Como querer perceber a que serve a razão se possuo sentidos encravados no dia de hoje? As linhas que registro aqui amanhã transpassarão meus olhos adquirindo outro sentido, assim daqui a um ano, uma década. Impossível explicar a existência perante o tempo. Os signos mudarão, as matrizes que me encontro hoje transformar-se-ão em outras interpretações a respeito do que pensei hoje largando linhas neste espaço-tempo definido. Os óculos que lerão estas linhas igualmente serão outros que sequer imagino. Portanto, o que escrevo hoje, mesmo datado, é transversal ao tempo e aos signos. Esforço a concentração, contaminada pelo último livro que li, pelo último autor que, assim como eu, igualmente sentou-se e registrou-se em determinado momento. Este não existe mais, o reinventei ao tocar meus olhos em suas linhas. Admirável existir humano, não canso de me embevecer diante dessa maravilha que somos.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Reconheço


eu me rendo
deponho ao chão as armas
esqueço a altivez
de cá não pronuncio uma palavra mais
um gesto,
nada.

reconheço em meio aos meus destroços
tua razão infinita
e meu despreparo para a vida.

proscrevi esse momento
o máximo que podia
persegui fantasmas
enamorei-me pelo próprio ideário
meu catálogo infindo de plenas alegrias
amei-os. beijei-os.
e era eu mesmo o tempo todo.

agora, deposto e de mãos vazias
rogo algo que não sei o que é
não é perdão
não é paixão
acho que rogo a vida.

é isso, rogo vida de novo!
uma existência,
por clemência.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

é da vida desculpar-se


Sim, é parte fazer-se mal entender
em elogios querer
rasgar alegrias ao passado
e não fazer-se entender

é da vida a confusão das palavras

intenção possuir
pouca boca pra tanto anseio
faltou ouvido
sobrou desdeio

amor eu tive um
e foi único
e foi linda
foi-se comigo à tiracolo
ao meio

hoje, metade de mim aqui escreve
e, como não sou inteiro
sussurro meias palavras
sorrateiro

ah! queria eu fazer-me entender
declarar um amor ligeiro
com minha meia boca que restou
gritar ao mundo inteiro

amor, que única foste!
que fomos um só!
que hoje sou lembrança...
que hoje ando só!
que fui criança!
agora em metade, ao meio
em lembranças completo meu recheio
meia boca, meias palavras
calo-me, perdi o esteio.
desculpe, nossa receita foi-se embora
estava no bolso direito do paletó
o meio eu que agora escreve
é canhoto só
restei esquerdo agora
o bolso direito foi sem alarde
meu outro eu, minha meia história
a receita é tua vontade
em devolver a minha metade.
mesmo aqui
envolto em meias verdades
lembro-me bem
o sorriso inteiro, a felicidade
é a junção de nossas metades.


é da vida




Sentado em frente ao banal da vida
Reconheço
Já fui feliz
Sorri muito nessa lida

Acordei e tudo estava programado
Provisão financeira
Um cachorro e alguém amado

Fui monotonamente feliz
Absurdamente contente
Isso não é vida

Sou insatisfeito
Nasci já com sonho desfeito
Ser feliz
É peso demais a este pobre peito

Fui feliz, mas foi monótono.